Tarifa Zero: como essa ideia tem andado nas cidades do Caraça?

Apesar de ter se popularizado nos últimos anos, principalmente por conta da pandemia de COVID-19, a Tarifa Zero não é um tema recente no Brasil.

Em 1991, a gestão Erundina (na época filiada ao PT) implantou cinco linhas gratuitas de ônibus na cidade de São Paulo, que eram usadas entre os cerca de 200 mil moradores do distrito da Zona Leste para circulação no bairro do extremo da região.

Já em território mineiro, desde 1994 a cidade de Monte Carmelo, com pouco mais de 40 mil habitantes, localizada no triângulo, conta com esse modelo tarifário.

Mas e nas cidades da região do Caraça? Como Barão de Cocais, Catas Altas e Santa Bárbara têm tratado deste tema?

A Tarifa Zero já existe em Barão de Cocais — mas não está 100% segura

Em Barão de Cocais, a Tarifa Zero foi implementada no dia 31 de maio de 2023, pelo então prefeito Décio Geraldo, seguindo o anteprojeto dos vereadores João Lima e Tico Santos, hoje presidente da câmara.

Durante a produção do texto buscamos informações sobre o custeio do programa na cidade, mas não conseguimos encontrá-las facilmente. O mesmo aconteceu com as rotas dos ônibus.

No site da prefeitura não existe uma postagem ou página em destaque ou com acesso fácil aos horários e roteiros dos ônibus. 

As informações, hoje, estão disponíveis à população apenas em um post do instagram do poder executivo. Única postagem das gestões passadas a permanecer no ar.

Procuramos também as rotas e horários no site da empresa que atende a prefeitura com os ônibus sem encontrar maiores informações.

Outra questão que levantamos foi sobre a manutenção do programa na cidade.

No plano de governo do prefeito Abade (PSD), não encontramos referência ao Tarifa Zero, nem mesmo à sua manutenção. Algo que traz desconfianças sobre a sustentabilidade dessa política pública na forma como está hoje.

Ônibus da Tarifa Zero rodando pela cidade de Barão de Cocais — Crédito: Cíntia Araújo / N1

Catas Altas: Tarifa Zero já foi pauta durante a pandemia, porém, não se concretizou

Ao contrário de Barão de Cocais, em Catas Altas a Tarifa Zero foi pautada no plano de governo do atual prefeito, Saulo Morais (PRD).

No texto enviado ao TSE, o prefeito promete, no tópico 2.2. Infraestrutura de Transporte Público, “criar o Programa Municipal de Tarifa Zero”, além de “reformar pontos de ônibus, garantindo a segurança e o conforto dos usuários”. Porém, este assunto já foi discutido anteriormente na cidade.

Durante a pandemia, em 2021, o vereador Anízio Nazareno entrou com um anteprojeto na câmara, que autorizava o Poder Executivo a conceder subvenção econômica para o subsídio tarifário do transporte público coletivo urbano e rural e instituiria a tarifa zero no município de Catas Altas.

Novas discussões a respeito da Tarifa Zero não foram encontradas desde então nas pautas da câmara ou no Diário Oficial da prefeitura, apontando uma lentidão em continuar com a proposta de Nazareno ou instituir o prometido durante a campanha, pelo menos nestes primeiros dias de gestão 2025.

Santa Bárbara: Tarifa Zero poderia resolver o problema das concessões?

Assim como ocorreu em Catas Altas, durante a pandemia de COVID-19, a Tarifa Zero foi discutida também em Santa Bárbara, em especial através do anteprojeto produzido pelo então vereador Henrique Rodrigues.
No entanto, além do projeto não ter saído do papel, durante a corrida eleitoral de 2024, apenas o candidato Kelinho (PRD) colocou o programa em seu plano de governo. Por lá podemos encontrar uma linha indicando a possibilidade de se “implementar o programa “Tarifa Zero” para o transporte coletivo na sede do município”.

Vale ressaltar que, no caso de Santa Bárbara, houve recentemente uma suposta ameaça de cobrança por bagagem nos transportes coletivos da cidade, o que gerou, inclusive, reuniões de urgência com nomes da câmara municipal para tratar do assunto.

Reunião dos vereadores para discutir problemas com o transporte público de Sta Bárbara — Crédito: Câmara de Sta. Bárbara

Nem tudo são flores com a Tarifa Zero

Até setembro de 2024, 136 cidades brasileiras já adotavam a Tarifa Zero, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Em 116 delas, a gratuidade vale para todo o sistema, todos os dias, enquanto nas outras 20 é aplicada em dias específicos ou para determinados beneficiários, linhas e bairros.

Porém, apesar de beneficiar milhares — até milhões — de pessoas, essa política pública pode encontrar dificuldades.

Um exemplo que temos próximo à região do Caraça é o da cidade de Mariana, onde o programa foi instaurado em 2022 e esbarra até hoje em diversos questionamentos. 

Seguindo o caminho mais comum de implementação, naquele município foi escolhido o subsídio total para a empresa responsável pelo transporte público, com um custo de cerca de R$ 1,6 milhão por mês aos cofres públicos.

Além dos altos valores, questionamentos sobre a qualidade da frota que atende a população já foram colocados em jornais locais.

Em entrevista à Rádio Real, o vereador Manoel Douglas, do PV de Mariana, pontuou também a maneira com que o processo de implementação da Tarifa Zero foi conduzido no município.

Para ele, tudo foi feito de maneira muito rápida sem uma consulta pública ampla.

Acho que ele deveria ter sido discutido melhor. Esse projeto você tem que chamar a população para uma audiência pública. Mas quis fazer de uma forma muito rápida, e eu falo que é aquele problema né? Quando você fala de instabilidade política, o político aqui não sabe quando vai sair, e tem aquela pressa de acelerar as coisas. E ele é um projeto que hoje não está funcionando como deveria estar. Eu acho que deveria ter um projetado social do transporte público da cidade, pode ser o Tarifa Zero, pode? Mas não pode ser assim. Hoje ele deu uma outorga para a Transcotta [ empresa que cuida da frota de ônibus de Mariana ] que já não estava funcionando bem dentro da cidade, que ela continua com a Transcotta”.

Mas se por um lado o caso de Mariana encontra dúvidas pela população, o de Maricá, no Rio de Janeiro, é tido por vários especialistas como o melhor exemplo de como se implementar a Tarifa Zero em um município.

Caminhos implementar o programa da melhor maneira

Com uma arrecadação milionária de royalties do petróleo — algo que Barão de Cocais, Catas Altas e Santa Bárbara têm parecido, porém, com o caso da CFEM — Maricá ensina há alguns anos como se trabalhar com a Tarifa Zero.

A cidade se tornou pioneira no Brasil ao implementar o passe livre para uma cidade com mais de 100 mil habitantes. Desde 18 de dezembro de 2014, quatro linhas de ônibus operam com tarifa zero, registrando apenas o número de passageiros. Para viabilizar esse modelo, a prefeitura criou a Empresa Pública de Transportes (EPT), garantindo acesso gratuito à população.

Apesar da iniciativa pública, duas empresas privadas continuam operando no município com cobrança de tarifa, já que suas concessões, firmadas em 2005, eram válidas até 2020. Assim, os moradores podem escolher entre os ônibus pagos, com tarifa mínima de R$ 2,70, e os gratuitos da prefeitura, ambos percorrendo trajetos semelhantes. O objetivo central dessa medida é reduzir o monopólio no setor e consolidar o transporte público como um direito acessível a todos.
Para assegurar um serviço de qualidade, a prefeitura investiu na aquisição de veículos modernos, equipados com ar-condicionado e elevadores para acessibilidade. Inicialmente, dez ônibus foram colocados em circulação, com previsão de expansão para mais vinte, preferencialmente elétricos, visando a sustentabilidade ambiental. Além disso, há planos de incluir vans na frota municipal, fortalecendo a capacidade da EPT e garantindo que Maricá tenha autonomia na gestão do transporte público sem depender de concessões privadas.