
Com a indicação de “Ainda estou aqui”, filme de Walter Salles, nas categorias de Melhor Filme em Lingua Estrangeira, Melhor Atriz e Melhor Filme (algo inédito para o Brasil), o cinema volta a ser discutido nas altas esferas da política nacional.
Atualmente o cinema brasileiro celebra uma grande recuperação após enfrentar uma das maiores crises de sua história. Em janeiro de 2024, o setor registrou um público de 3 milhões de espectadores, representando 31,3% das sessões programadas, enquanto no mesmo período de 2023, o número foi de apenas 114 mil pessoas. Segundo dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine), esse foi o melhor resultado dos últimos seis anos.
Além disso, a receita gerada pelos filmes nacionais ultrapassou R$ 59 milhões somente no primeiro mês de 2024. Esse desempenho positivo foi acompanhado por outro marco histórico: o recorde de 3.509 salas de cinema em funcionamento no país, divulgado pela Ancine em 1º de janeiro de 2025. Esse número supera as 3.478 salas registradas em 2019, antes da pandemia de Covid-19, que resultou no fechamento de quase metade das salas em 2020.
No entanto, todos estes números parecem vir de um mundo distante daquele dos habitantes das cidades de Barão de Cocais e Santa Bárbara. Cidades mineiras que contam com cinemas clássicos e tombados, porém, sem vida dentro do ecossistema do audiovisual.
O clássico Cine Vitória, em Santa Bárbara

O antigo Cine Vitória, inicialmente chamado Cine Teatro Santa Efigênia, foi inaugurado em 1939 em Santa Bárbara e tornou-se um marco cultural e social da cidade. Sob a gestão de seus fundadores e depois de outros proprietários, o cinema exibiu grandes sucessos nacionais e internacionais, promovendo sessões memoráveis com clássicos como E o Vento Levou e as comédias de Oscarito e Mazzaropi.
Após enfrentar crises financeiras, mudanças de gestão e reformas estruturais, o cinema foi modernizado e adaptado ao longo dos anos, mantendo sua relevância cultural até 1959, quando passou a ser chamado Cine Vitória.
Revitalizado em 2007, o antigo Cine Vitória foi transformado em uma estrutura multifuncional, alinhada às diretrizes do Plano Diretor da época, que destacava a “implementação de usos múltiplos de natureza cultural“. A restauração foi viabilizada com recursos próprios do Legislativo, totalizando R$ 200 mil, provenientes de economias e cortes nos gastos dos gabinetes parlamentares.
A aquisição do imóvel foi possível graças a uma permuta entre a Câmara Municipal e a prefeitura, que havia desapropriado o cinema. O acordo envolveu ainda a arquidiocese de Mariana, à qual Santa Bárbara é subordinada, permitindo que a prefeitura ficasse com o casarão onde nasceu o ex-presidente Affonso Penna (1847-1909).
Apesar da revitalização, o espaço, que originalmente abrigava sessões de cinema e atividades culturais, passou a ser utilizado majoritariamente como local para as reuniões quinzenais da Câmara Municipal, perdendo parte de sua função cultural ao longo dos anos.
Problemas com a iniciativa privada
Segundo Alexandre Mota, Secretário de Cultura e Desenvolvimento do Turismo da prefeitura de Santa Bárbara, “a indústria cinematográfica passou por uma transformação significativa com a ascensão das plataformas de streaming [ Netflix, Amazon Prime, etc ], o que enfraqueceu o mercado de cinemas tradicionais, hoje majoritariamente localizados em shoppings. Esses espaços enfrentam custos operacionais e de licenciamento elevados, dificultando sua sustentabilidade”.
Ainda de acordo com Mota, “no passado, avaliamos a possibilidade de uma associação ou organização não governamental assumir a gestão do cinema, que já foi explorado por uma iniciativa privada. Contudo, por razões legais que não tenho condições de detalhar, o empreendedor responsável precisou encerrar suas atividades”.
Hoje, para além das reuniões do legislativo, o espaço tem sido utilizado como teatro, atendendo a demandas culturais sempre que solicitado.
O revitalizado Cine Rex, de Barão de Cocais
Se por um lado a prefeitura de Santa Bárbara traz diversas informações a respeito do Cine Vitória, o mesmo não acontece com o Cine Rex, da vizinha Barão de Cocais.
Funcionando desde a década de 1950, o espaço foi tombado em 2009 Decreto Municipal n° 17/2009 e revitalizado em 2022 pela empresa Steios de Minas Construtora, vencedora de um processo licitatório do valor de R$ 807.716,79. Mas isso é tudo o que conseguimos apurar a respeito do local.

Postagens antigas a respeito do cinema — assim como todas as outras — foram apagadas das redes sociais da atual gestão da prefeitura e até o fechamento desta matéria, não recebemos nenhuma resposta da secretaria de cultura a respeito da utilização do Cine Rex como espaço de exibição de filmes ou de ações do poder executivo ligadas ao fomento do audiovisual.
O cinema privado também não ficou em Barão de Cocais
21 de março de 2020 foi a data da última postagem do Cine Barão, espaço que funcionou no 2º piso do Barão Shopping.
Nos comentários é possível ver diversos perfis do instagram pedindo para que a prefeitura liberasse a abertura do ambiente. Algo que não ocorreu com o aumento da intensidade da pandemia de COVID-19 nas semanas seguintes.
Também procuramos os donos do Cine Barão para esta reportagem, mas tivemos retorno.
A inspiração do caso do Cine Santa Tereza, em Belo Horizonte
Inaugurado na década de 1940 e fechado nos anos 1980, o Cine Santa Tereza foi um marco cultural na história de Belo Horizonte, desempenhando um papel essencial na construção de memórias afetivas e na relação dos moradores com a sétima arte.

Após ser revitalizado, o espaço foi reaberto em 2016 como Centro Cultural Santa Tereza, fruto de uma demanda da comunidade pelo Orçamento Participativo. Hoje, é um dos últimos cinemas de rua da cidade, abrigado em um prédio histórico em estilo art déco, projetado pelo arquiteto italiano Rafaello Berti, cuja fachada está em processo de tombamento como patrimônio municipal.
A revitalização preservou as características arquitetônicas do edifício e trouxe melhorias para garantir acessibilidade, como rampas, banheiros adaptados e uma plataforma para cadeirantes.
As obras foram feitas com investimento de R$ 1,7 milhão patrocinado pela Vale e mais R$ 1,5 milhão da Prefeitura para infraestrutura.